SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

A representação da maternidade para mães tardias

A entrada da mulher no mercado de trabalho, o comprometimento com a profissão, os inúmeros papéis que desempenham atualmente e novas técnicas de controle da fertilidade estão levando às mulheres a optarem pelo adiamento da maternidade (Aldrighi, Cancela, Souza & Wall, 2016; Lopes, Dellazzana-Zanon & Boeckel, 2014; Oliveira, Rocha, Colissi & Sifuentes, 2013). Segundo dados do DATASUS, divulgados pelo Estadão, nas últimas duas décadas, o número de mulheres que são mães após os 40 anos aumentou 49% e as que são mães entre os 30 e 39 anos teve um aumento de 61,4%. Segundo Cambricoli (2017), as razões para esse aumento são a busca pela realização profissional e estabilidade financeira.

Utilizando o pensamento sistêmico novo-paradigmático, realizamos uma pesquisa com o objetivo de compreender, por meio de entrevista semiestruturada e da técnica do desenho-estória com tema, a representação de maternidade e os sentimentos associados a esta vivência para duas mães tardias, com filhos na infância. Diferente do paradigma tradicional, o pensamento sistêmico, chamado de o novo paradigma da ciência, é definido a partir de três dimensões epistemológicas. São os pressupostos da complexidade, no qual os fenômenos não podem ser explicados isolando as partes, uma vez que isso não demonstra suas interrelações, assim devem ser compreendidos dentro de um contexto; o pressuposto da instabilidade, no qual os fenômenos não podem ser determinados, e portanto são imprevisíveis e incontroláveis; e o pressuposto da intersubjetividade, no qual o conhecimento científico é construído socialmente, e por este motivo não há como conceber a neutralidade do pesquisador (Vasconcellos, 2013).

Os resultados demonstraram que por terem de conciliar a maternidade com o trabalho, os sentimentos mais predominantes relatados pelas mães foram a culpa e uma sensação de não estar fazendo o suficiente pelos filhos. O sentimento de culpa foi relacionado a uma visão romantizada da maternidade, demonstrada pelas participantes. Esta discussão dos sentimentos relacionados ao desempenho do papel materno traz à tona que os discursos acerca da maternidade são determinados por valores da ideologia social, que atribuem um significado naturalizante à figura materna, nos quais o amor materno é inerente ao feminino e cabe à mãe ser a responsável pela socialização dos filhos (Coelho, 2012).  Constatamos, desse modo, a importância de intervenções para pais tardios que tenham o objetivo de desmistificar a maternidade, promovendo representações menos idealizadas.

Embora na atualidade haja uma maior divisão das responsabilidades parentais, o que também verificamos neste estudo é que as mulheres pesquisadas continuam se sentindo sobrecarregadas e acreditam serem as maiores responsáveis pelos cuidados com os filhos. Neste cenário, não há como negar a influência das gerações passadas, pois ao mesmo tempo em que as mulheres estão financeiramente e emocionalmente mais independentes, elas continuam reproduzindo padrões de suas famílias de origem, onde as mulheres desempenhavam, fundamentalmente, os papéis de mãe e de esposa.  De acordo com Biasoli-Alves (2000), dificilmente será possível haver uma ruptura total de antigos padrões, visto que em uma família há o encontro de diferentes gerações e por isso os valores e normas construídas no passado influenciam as novas famílias.  

Assim, a maternidade mostra-se um tema complexo e que envolve múltiplas variáveis, de dentro e fora do sistema familiar. Por isso, acreditamos na relevância de estudos que investiguem também a influência do fator gênero na manutenção dos padrões de maternidade e suas repercussões nas dinâmicas familiares.

 

Referências

Aldrighi, J. D., Cancela, F. Z. V., Souza, S. R. R. K., & Wall, M. L. (2016). As experiências das mulheres na gestação em idade materna avançada: revisão integrativa. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 50(3), 512-521. Recuperado em 3 março, 2017, de https://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000400019

 

Biasoli-Alves, Z. M. M. (2000). Continuidades e rupturas no papel da mulher brasileira no século XX. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16(3), 233-239. Recuperado em 04 fev, 2016, de  https://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722000000300006

 

Cambricoli, F. (2017). Número de mulheres que são mães após os 40 anos cresce 49% em duas décadas. O Estado de São Paulo. Recuperado em 15 junho, 2017, de http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,n-de-mulheres-que-sao-maes-apos-os-40-anos-cresce-49-em-duas-decadas,70001687252

 

Coelho, S.V. (2012). Revendo os papéis na parentalidade: Paternidade e Maternidade. In: Aun, J.G; Vasconcellos, M.J.E; Coelho, S.V. Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais. (vol 1. 3.ed.). Belo Horizonte: Ophicina de Arte e Prosa.

 

Lopes, M. N., Dellazzana-Zanon, L. L., & Boeckel, M. G. (2014). A multiplicidade de papéis da mulher contemporânea e a maternidade tardia. Temas em Psicologia, 22(4), 917-928. Recuperado em 4 março, 2017, de https://dx.doi.org/10.9788/TP2014.4-18

 

Oliveira, D., Rocha, D., Colissi, J., & Sifuentes, M. (2013). A mulher contemporânea e a maternidade tardia. Mostra de Iniciação Científica do Cesuca - ISSN 2317-5915, (7). Recuperado em 23 abril, 2019, de http://ojs.cesuca.edu.br/index.php/mostrac/article/view/512

 

Vasconcellos, M.J.E. (2012).  Pensamento sistêmico novo-paradigmático: Novo-paradigmático, por quê? In: Aun, J.G; Vasconcellos, M.J.E; Coelho, S.V. Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais (vol 1. 3.ed.). Belo Horizonte: Ophicina de Arte e Prosa.

 

Texto: A representação da maternidade para mães tardias

Autoria: Adriana Leonidas de Oliveira e Sofia Gláucia Gonçalves Dedini (Universidade de Taubaté, Taubaté, SP)

 

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